Na última semana, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou como válida a cobrança da contribuição assistencial aos sindicatos, mesmo por parte de empregados não sindicalizados. O tema suscitou algumas dúvidas, especialmente por haver confusão com o chamado “imposto sindical”, que passou a ser facultativo com a reforma trabalhista de 2017.

 

Em conversa com o Brasil de Fato, o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Fausto Augusto Junior, ressaltou serem duas contribuições totalmente distintas, além de destacar que a contribuição assistencial ou negocial já existe há décadas.

 

Mesmo com a decisão do Supremo, a contribuição assistencial só poderá ser cobrada de empregados não sindicalizados se for definida em acordo ou convenção coletiva dos trabalhadores da categoria. Na prática, isso tem que ser votado em assembleia. O valor da contribuição deverá ser destinado ao custeio de atividades como as próprias negociações coletivas. O valor não é fixo e deve ser discutido em negociação com a categoria.

 

“Os sindicatos dos trabalhadores e os sindicatos patronais são instituições de um processo democrático. São instituições que de alguma forma mediam os conflitos nas relações de trabalho e regulam essa própria relação de trabalho. De alguma forma, pensar no fortalecimento sindical tem a ver com fortalecimento da própria democracia”, disse Fausto.

 

Confira abaixo a íntegra da entrevista, que ajuda a compreender a diferença entre os conceitos.

 

Brasil de Fato: Eu queria que você começasse explicando para a gente qual a importância da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a contribuição para os sindicatos. É correto a gente falar em volta do imposto sindical, como tem aparecido em alguns lugares?

 

Fausto Augusto Junior: Bem, primeiro, vamos para o esclarecimento. Não, nós não estamos falando de imposto sindical. Nós estamos falando da chamada contribuição assistencial ou contribuição negocial. São coisas muito diferentes. A primeira questão é que o imposto tem característica de imposto, ou seja: você de alguma forma você tinha algo compulsório, que não tinha nenhuma participação do trabalhador na decisão, seja no valor, na forma de arrecadação, etc, e se tratava de uma contribuição que financiava os sindicatos em geral, vamos dizer assim.

 

Agora nós estamos falando de uma contribuição que já existe há mais de 70 anos. Hoje quase 60% das categorias acessam essa contribuição assistencial, e ela tem o objetivo de financiar o processo negocial, ou seja: a campanha salarial, as negociações e tudo aquilo que vai se transformar num acordo ou numa convenção coletiva. É disso que nós estamos tratando. E vamos lembrar: o acordo e a convenção coletiva são coisas que compõem o conjunto de direitos que o trabalhador tem, e que é advindo de uma negociação coletiva entre trabalhadores e empregadores, entre sindicatos das patronais e sindicatos dos trabalhadores. Quando a gente fala da contribuição assistencial, contribuição negocial, é disso que nós estamos falando.

 

Importante também: é uma contribuição que passa pelo processo de assembleia. Não é algo já tenha valor definido por lei. É uma cláusula dentro do acordo coletivo, da convenção coletiva, que é submetida à consulta do conjunto dos trabalhadores na sua instância máxima, que é a assembleia.

 

Então, nós estamos falando de duas coisas: uma contribuição que era compulsória e que deixou de ser a partir de 2017, mas continua existindo, que é imposto sindical; e outra contribuição, que é definida em assembleia e votada pelo conjunto dos trabalhadores. É sumariamente diferente.

 

Qual a importância para a sociedade de existirem mecanismos de financiamento da atividade sindical? Quais os ganhos que os sindicatos trazem para os trabalhadores e a sociedade?

 

Esse é um debate muito importante, porque nós temos que entender que a democracia é um sistema político que se organiza a partir da participação do conjunto da sociedade. Só que ela se dá de maneira coletiva, a partir de instituições. Os sindicatos dos trabalhadores e os sindicatos patronais são instituições de um processo democrático. São instituições que de alguma forma mediam os conflitos nas relações de trabalho e regulam essa própria relação de trabalho.

 

De alguma forma, pensar no fortalecimento sindical tem tem a ver com fortalecimento da própria democracia. O nosso desafio é um debate que precisa avançar com o conjunto da sociedade para compreender que boa parte da melhoria das condições de vida, da melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores no Brasil em geral, tem a ver com o processo negocial e tem a ver com a luta dos sindicatos.

 

Nenhuma instituição, seja o estado, seja a imprensa, seja o sindicato, vive sem algum tipo de financiamento. E o financiamento nessa discussão tem que advir de seu próprio papel. E esse é um detalhe significativo quando a gente está falando da contribuição assistencial e da contribuição negocial: o papel do movimento sindical, dos sindicatos, é fazer a mediação da relação capital-trabalho. De alguma forma, a contribuição, seu financiamento, tem que vir dessa prática. E é isso que é a contribuição negocial.

 

Então, de alguma forma, avançar na reorganização no financiamento sindical é garantir que esta estrutura, esta instituição bastante importante da democracia, continue existindo e continue se fortalecendo.

 

Estamos falando sobre uma decisão do Supremo, ou seja, do Judiciário, mas sabemos também que isso é discutido no âmbito do Governo e do Congresso. De que maneira essas coisas têm avançado?

 

Há um consenso nas discussões com o governo, o próprio Ministro do Trabalho [Luiz Marinho] e o próprio Presidente da República são advindos dessa instituição chamado sindicato. O fortalecimento sindical faz parte da campanha e da política que ganhou as eleições. Acho que isso é um dado de referência, é importante isso.

 

Os debates que estão acontecendo hoje por dentro do governo, dentro do grupo de trabalho, falam sobre isso: como é que trabalhadores, empregadores, sindicatos patronais, sindicato dos trabalhadores, vão construir um novo modelo de reorganização não só da sustentação financeira, mas também da capacidade de ação, da capacidade de formulação, do fortalecimento da negociação coletiva como um grande projeto que de alguma forma começa a dar conta inclusive de situações muito complicadas no Brasil.

 

Vamos lembrar que um dos grandes dilemas é que de fato essa estrutura representa metade do conjunto dos trabalhadores. A outra metade está no mundo da informalidade, que não é representado por ninguém, que não tem nenhuma forma de organização e que precisa também adentrar esse mundo da negociação coletiva, esse mundo dos direitos sociais, direitos trabalhistas.

 

Então o debate que que está ocorrendo hoje junto ao governo tem a ver com fortalecimento da negociação coletiva, e a negociação coletiva ser um indutor de uma reorganização da estrutura sindical brasileira. Vai alterar muita coisa? Não, mas vai colocar os acentos e os pingos onde precisam ser colocados, para preparar as organizações dos trabalhadores e as organizações patronais a se manterem e de alguma forma e se atualizarem para o século XXI.

 

A gente está falando de uma discussão, um debate, que às vezes é muito enviesado. Alguns setores têm interesses que não vão ao encontro dos interesses dos trabalhadores.

 

Esse é outro problema. Quando a gente está falando em diversos espaços, inclusive a própria mídia – e vamos lembrar, a imprensa é uma instituição importante da democracia, mas os grandes grupos são grupos empresariais, são grupos que muitas vezes não têm interesse em ver o conjunto de trabalhadores organizados…

 

A gente sabe que uma das questões fundamentais do sindicato é que o sindicato é mediador dessa relação, e de alguma forma, ele regula o grau de exploração com que uma empresa chega ao trabalhador. Tem um debate muito difícil de se fazer com o mundo patronal e com empresariado em geral é que dá-se a entender que quanto mais fraco é o sindicato, melhor para as empresas. Mas no longo prazo, o que a gente já assistiu na maior parte do mundo, é que quanto menor é a organização dos trabalhadores, mais o conflito fica exposto, mais as questões e relações de trabalho extrapolam o mundo do trabalho.

 

A organização de tudo isso, e de alguma forma dar espaço para o tratamento desse conflito, é bastante importante. Então, de alguma forma a gente assiste ao embate entre aqueles que acreditam que o melhor é acabar com o movimento sindical, mas ao mesmo tempo a gente precisa compreender que até para esses a organização do conflito, a organização dos trabalhadores de maneira coletiva e a negociação coletiva, é um caminho para o bem maior, inclusive para os empresários. Isso a gente viu, por exemplo, na Europa como um todo, onde o movimento sindical é bastante forte e ajudou na construção do que nós chamamos social democracia como um todo.

 

Aproveitando essa informação que você traz sobre a Europa, eu pergunto: como é feito esse financiamento da atividade sindical em outros países? São modelos que se comparam com o do Brasil?

 

Tem vários modelos. Em vários deles você tem financiamento compulsório, ou seja, algum tipo de subsídio que vem do estado, ou seja, vem do fundo público para o movimento sindical. Em outros modelos, você tem um sistema de contratação que é muito fortalecido, como por exemplo é o caso da Alemanha.

 

Na Alemanha, aquilo que nós entendemos como filiação aos sindicatos como uma filiação individual, lá na verdade é um sistema contratual: quando você ingressa numa empresa, você está assinando um contrato coletivo de trabalho, que é o contrato que foi assinado entre o sindicato e aquela empresa. Então você está aderindo àquele contrato coletivo. O trabalhador, ao aderir àquele contrato coletivo, ele está se filiando ao sindicato. Então a filiação sindical é quase compulsória na Alemanha. Para o trabalhador poder estar dentro do contrato, ele precisa ser filiado ao sindicato.

 

No caso da França, por exemplo, você tem de fato repasses do poder público para os sindicatos. Então são modelos diferenciados, mas que de alguma forma, o Brasil está tentando, a partir da sua história, da sua relação, vamos lembrar que nós estamos falando de uma CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] que já está chegando aos 80 anos, que também precisa se atualizar, mas ao mesmo tempo garantir a sua origem, a forma como toda legislação trabalhista na nossa história foi construída. A taxa negocial, a contribuição negocial, de alguma forma é isso. Você respeita a tradição, respeita nossa jurisprudência, nossa legislação, do ponto de vista de financiamento do processo negocial, que é garantido, e ao mesmo tempo você cria essa relação direta entre o trabalhador e seu sindicato, passando por meio da negociação.

 

Não é um modelo equivalente a nenhum outro país, mas ao mesmo tempo ele tateia modelos muito parecidos; seja de um lado o modelo alemão, seja na outra ponta um pouco das relações que a gente vê na França, na Itália. Você vai de alguma forma acoplando dentro da nossa experiência, que também é uma experiência muito rica.

 

Qual o caminho para falar com o trabalhador ou a trabalhadora que muitas vezes, sob pressão de alguns setores, se convence que não deve haver esse tipo de contribuição? Qual deve ser o caminho para que esse trabalhador e essa trabalhadora entendam a importância disso?

 

A conscientização do trabalhador, a formação desse trabalhador para as suas questões concretas, acho que tudo passa por algumas movimentações nesse sentido. O trabalhador muitas vezes sequer sabe que aquele piso salarial que existe naquela empresa só existe porque tinha um sindicato. Muitas vezes o trabalhador não sabe que até a água, muitas vezes, que ele tem ali à sua disposição, tem a ver com uma cláusula sindical. Muitos dos trabalhadores não conhecem seu próprio sindicato ou não conhecem seu acordo coletivo que regula a sua relação com aquela empresa.

 

A empresa fica oito, nove, dez horas falando do lado daquele trabalhador o tempo todo, ele está no universo daquela empresa, e muitas vezes o sindicato está sempre do lado de fora da empresa. Então o sindicato estar para dentro das empresas é algo bastante importante. Onde você tem sindicalismo forte, de alguma forma o sindicalismo avançou nisso: na representação do local de trabalho.

 

Você precisa ter alguns movimentos, uma aproximação mais efetiva por dentro da própria empresa, do próprio local de trabalho. Um caminho bastante importante de conscientização e formação desse trabalhador. Agora, é claro: outros caminhos de comunicação com o conjunto dos trabalhadores são fundamentais para esclarecer.

 

É interessante porque muitas vezes, não é que o trabalhador não saiba a importância do sindicato, porque quando ele perde o emprego, quando ele é perseguido no posto de trabalho e etc, ele vai procurar seu sindicato. O que a gente precisa, também, é uma uma consciência de que o sindicato é o próprio trabalhador. Não existe sindicato sem o trabalhador. Então o financiamento do trabalhador para aquela entidade tem a ver com algo que ele está financiando que é dele mesmo.

 

Essa sensação de pertencimento do trabalhador à entidade sindical, dele ser “dono” da entidade sindical, é algo que o movimento sindical brasileiro ainda precisa avançar. Já foi mais, em períodos anteriores, hoje é menos, até porque essa hegemonia do pensamento liberal, do pensamento neoliberal, da individualização das pessoas, influenciando muito nessa visão, mas de alguma forma o movimento sindical precisa avançar para essa consciência coletiva que precisa ser estabelecida.

 

Fonte: Brasil de Fato

Texto: Felipe Mendes

Data original da publicação: 18/09/2023