Biroliro enfim convenceu até mesmo os mais incrédulos que nós vivemos em uma barbárie. Eu tive sinceras dificuldades de assistir o discurso, por isso optei por ler o discurso. Não se trata de medo. Só preservar a sanidade mesmo. O discurso parece um apanhado de blogs conspiratórios: nióbio, "queimadas espontâneas e criminosas", comunismo, Deus e segurança. Está lá disponível no portal da Presidência da República pra quem quiser perder alguns minutos de vida.
O discursador citou combate ao desemprego, mas não fala da crise, bem como sobre a geração de emprego e da carestia que passa o povo trabalhador. Fala num país mais seguro e não cita que mais crianças são baleadas no RJ, vitimadas por uma política de segurança pública que conta com seu declarado apoio (enquanto escrevia essas breves linhas mais uma criança foi baleada no Rio). Ataca a imprensa e 'esquece' das medidas que seu governo tem colocado em marcha, através da compra de apoio de redes de televisão e 'pedidos' de demissão de jornalistas críticos ao governo (prontamente atendidos, é claro).
Jair ainda falou em combate a corrupção, mas não cita, é claro, sua ingerência direta nos órgãos de fiscalização e controle para beneficiar um de seus filhos. Citou a igualdade entre homens e mulheres, mas esconde o aumento do feminicídio no ano. Enfim, poderia ficar aqui por longas páginas listando os ataques às liberdades democráticas e o direito a vida, como também fazem seus filhos, e as tentativas de censura no campo da arte e da cultura, como a pressão sobre a Ancine para passar pelo ‘filtro’ presidencial.
Discurso ideológico e projeto de governo
As acusações surreais são elementos que a gente espera, embora ainda cause espanto. Penso que o mais importante no discurso se encontra no que não foi dito.
Assim, não devemos perder de vista que aquilo que foi dito e que nos envergonhou não são loucuras, devaneios ou algo semelhante. No discurso do presidente brasileiro tem apenas luta de classes, nada mais. Defende com vigor o avanço das fronteiras agrícolas ao negar as queimadas. Vangloria-se do entreguismo do patrimônio nacional. Ignora que nossa polícia é a que mais mata trabalhador (e seus filhos) e a que mais morre.
Esse é o retrato de um presidente que, segundo a plataforma Aos Fatos, em 261 dias de mandato deu 331 declarações falsas ou distorcidas. Na Assembleia Geral da ONU não foi diferente.
Apresentar projeto alternativo é tão importante quanto à denúncia
A tarefa do campo progressista não é simples, óbvio. É preciso denunciar as medidas que atentam à soberania do nosso povo, mas também retomar o debate programático. É preciso denunciar os ataques aos terreiros, mas também defender com vigor a liberdade de culto, como bem fez Jorge Amado em 1946, então deputado constituinte pelo PCB. Nosso tempo exige mais disposição do que nunca para reconstruir a maioria. É preciso acreditar no povo brasileiro.
Lendo o discurso do presidente, lembrei-me de um engenheiro e ex-governador, um democrata por excelência, ao responder inúmeras acusações levianas que um latifundiário da mídia o fez. "Quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesmo".